No mundo atual, Crise da historiografia ganhou grande relevância em diversas áreas. Seja a nível pessoal, profissional ou social, Crise da historiografia tornou-se um tema de constante interesse e debate. As opiniões sobre este assunto são variadas e muitas vezes polarizadas, o que demonstra a importância e complexidade da questão. Neste artigo, exploraremos diferentes aspectos relacionados a Crise da historiografia, analisando seu impacto, implicações e possíveis soluções para abordá-lo de forma eficaz. Independentemente da perspectiva que tenhamos sobre Crise da historiografia, é crucial compreender o seu alcance e possíveis formas de lidar com ele.
Crise da historiografia, ou crise da história, se refere a um processo histórico ligado à historiografia, no qual esta já não mais conseguiria lidar com as diferentes demandas por produção e disseminação do conhecimento histórico no presente. Esta crise também pode ser observada no que se refere à legitimidade da historiografia como conhecimento especializado sobre o passado e dos historiadores como portadores deste conhecimento frente a sociedade. Por estar inserida em um processo onde a percepção da distância entre passado, presente e futuro se modifica, fazendo com que as formas desenvolvidas para se lidar com as demandas históricas no passado já não se apliquem às demandas do tempo presente, entende-se que a crise da historiografia está fortemente ligada a uma crise do tempo.
A ideia de esgotamento da historiografia parte da constatação de que as condições de emergência da história como uma disciplina acadêmica, no século XIX, que remete à formação dos estados-nação, a solidificação capitalismo, a expansão do colonialismo e o estabelecimento da burguesia como classe dominante na Europa, deixaram de existir.[1] Por conta disso, a historiografia estaria correndo risco de extinção.[2][3]
“ | Se o momento de aceleração do tempo vivido no início do século XIX promoveu o surgimento de toda uma nova rede semântica, com sua temporalidade própria, em nossa contemporaneidade uma nova onda de aceleração e dessincronização social parece estar promovendo o esfacelamento daquela herança. | ” |
— Turin, Rodrigo (2020). Os tempos da independência: entre a história disciplinar e a história como serviço, p. 5. [4] |
De acordo com o historiador Arthur Lima de Avila, com a obsessão por tornar-se científica, sem questionar as próprias formas organizativas, a historiografia disciplinada teria perdido sua capacidade em responder às questões de ordem prática e de orientação para a solução de problemas relativos à realidade enfrentada pelos seres humanos no presente.[5] Junto da capacidade por suprir essas demandas práticas, a historiografia teria também perdido sua legitimidade como uma forma especializada de construção do saber sobre o passado.[6] Assim, em vez de ser a manifestação superior do saber sobre o passado, entende-se que a historiografia passou a ser apenas uma das formas de representá-lo, estudá-lo e desejá-lo.[7]
A partir da constatação da incapacidade da historiografia em responder às demandas do presente vem à tona a proposição de que a história teria chegado ao fim de suas capacidades políticas e intelectuais. Esta proposição parte da ideia de que a historiografia chegou a um esgotamento de ordem política, referente à capacidade de intervenção crítica na realidade do presente, e um esgotamento intelectual, referente à capacidade de formular novas ideias e propor saídas criativas aos dilemas cotidianos.[8] Tal esgotamento teria como sintoma a sensação de inacessibilidade do passado, relacionada à impossibilidade da construção de narrativas sobre eventos traumáticos, que por sua vez é causada pela superprodução de documentos e imagens sobre os eventos históricos.[9]
No mundo neoliberal, as tecnologias parecem ser cada vez mais novas e tornam-se obsoletas com grande rapidez. Desta forma, o distanciamento entre o que estava disponível anteriormente e aquilo que ainda pode existir aumenta, fazendo com que o passado e o presente pareçam ainda mais distantes. [10]
Como marcador de uma temporalidade neoliberal, esta hiperaceleração do tempo implica também o surgimento de novas narrativas e novos conceitos que dão sentido à história. Antes da consolidação do neoliberalismo, termos como “libertação”, “emancipação” e “projeto" encaminhavam a percepção de que a história estava indo em direção ao futuro. Já nos termos de sua consolidação, a tendência é a fragmentação das narrativas, que passaram a ser conduzidas por ideais de excelência e pela busca por maior flexibilidade.[11] Nos termos da flexibilização, a autoridade sobre estudos do passado deixa de ser exclusividade dos historiadores, fazendo com que a fronteira entre profissionais e amadores da história, constituída no século XIX, seja diluída no século XXI.[12]
No século XXI, a hiperaceleração aumentou a distância entre os novos fenômenos históricos e as palavras disponíveis para explicá-los e o distanciamento entre passado e presente evidenciou as grandes diferenças entre o contexto histórico no qual a historiografia se estabelece enquanto disciplina e o contexto histórico no qual se vive desde, pelo menos, o final do século XX.[13][14]
Este fenômeno gera um descompasso entre as palavras das quais a humanidade dispõe para explicar a realidade e os novos acontecimentos que demandam explicações. [13] Assim, haveria um descompasso temporal entre as demandas que levaram à constituição da história como disciplina e as demandas pela interpretação do passado no tempo presente.[15]
Portanto, a historiografia estaria lançando mão de soluções antigas para problemas novos.[13] Assim, cria-se um obstáculo à diferenciação entre o que aconteceu e o que ainda pode acontecer, fazendo com que os eventos traumáticos como o holocausto, passem a ser vistos como a evidência de um passado maligno em oposição a um presente onde o trauma foi superado, sem que sejam feitos questionamentos a respeito das possibilidades de episódios similares ocorrerem no presente.[16]
Com o advento das novas mídias, o passado passa a ser observado como uma série de figuras expostas, deslocando de sua centralidade o pensamento crítico oferecido pela historiografia e colocando em seu lugar o efeito emocional dos vídeos e fotografias, transformando assim o público em um consumidor de informações engessadas.[17][18][19] Desta forma, a história e a memória passam a ser experimentadas através das tecnologias de mídia. [20]
Um exemplo deste processo são os ataques de 11 de setembro de 2001 às Torres Gêmeas, em Nova York. Neste evento traumático, os limites entre o espectador e a testemunha do ataque se dissolvem por conta de sua grande repercussão midiática, deslocando também os limites entre as relações coletivas e subjetivas com o trauma. [20][21] Neste contexto, o limite entre o historiador profissional e o amador também sofre mudanças. Ao tornar-se facilmente acessível ao mundo por meio da internet ou da televisão, o evento torna-se disponível através da proliferação de imagens tiradas no momento dos ataques e divulgadas instantaneamente. Assim, o acontecimento não é controlado institucionalmente pelos historiadores, mas também pelas testemunhas, com as quais se confundem os espectadores. [22]
As mídias digitais entregam à historiografia novas perspectivas e possíveis saídas aos golpes sofridos. Com o sentimento de que a historiografia está deslocada da sociedade, historiadores acabam buscando ocupar o espaço digital com suas produções, indo assim em direção a novas formas de divulgar e apresentar o conhecimento histórico na internet. [2] O digital, no entanto, apresenta-se como desafio aos historiadores por ser uma nova cultura, com uma linguagem diferente daquela com a qual estão acostumados e também por conta da correspondência do mundo digital a uma dinâmica de espaço e tempo própria. [23]
Outro elemento presente nos debates sobre a implicação das novas mídias na historiografia é o deslocamento do papel do historiador na administração de arquivos digitais. Neste processo, a teoria da história passa a ser deslocada dos debates sobre memória, esquecimento e mapeamento dos fundamentos das documentações por conta das características e linguagem próprias ao mundo digital, o que alimenta a crise da disciplina. Alguns dos resultados e agravantes deste problema são a exclusão de historiadores do trato com os vestígios do passado e a ocupação dos arquivos por profissionais sem formação para lidar com as documentações, a ocupação dos espaços por grandes corporações privadas que controlam dados pessoais de usuários e a dissolução da memória como elemento formador do espaço público. [24]
A crise da historiografia pode ser observada a partir de elementos externos e internos a ela. Externamente, a demanda acelerada por produtividade no mundo capitalista aliou-se às novas formas de relação entre o Estado, a sociedade e as universidades. Já internamente, surgem novas necessidades por produção e divulgação de conhecimento histórico profissional, em busca de legitimar a existência da historiografia frente às demandas do mundo capitalista.[25]
As universidades tomam peso nesta relação por serem entendidas como um lugar que confere peso institucional à disciplina da história e onde esta encontra seus modos de produção e reprodução. Por conta disso, são alvos de críticas os efeitos que as metodologias de avaliação e organização do processo de formação de historiadores causam nas formas de se pensar e produzir história. Entre estes efeitos estão a busca incessante por atingir altos índices de produtividade e a lógica concorrencial nas relações entre professores universitários. A busca por atingir maior êxito nas avaliações internas causaria um afastamento dos historiadores da população não acadêmica, o que acabaria contribuindo também ao agravamento da crise da história como disciplina.[26] Historiadores marxistas como Ciro Flamarion Cardoso e Michel Zaidan Filho criticaram, no fim dos anos 1980, a relação da historiografia acadêmica com o mercado editorial e a indústria cultural, o que implicaria em um reacionarismo.[27][28][29][30][31] Também a profissão dos historiadores estaria em risco, porque trabalharia com pressupostos nos quais os historiadores não podem mais acreditar. Assim, a sobrevivência da profissão passaria por repensar seus pressupostos, em vez de insistir em afirmá-los. A esta prática relaciona a busca por indisciplinar a historiografia, ou seja, encontrar novas formas de se pensar, fazer e apresentar o conteúdo produzido nos departamentos de história das universidades.[32][33]
Há um senso comum neoliberal de que as humanidades não são economicamente rentáveis, o que acaba por relacionar-se ao pensamento de que a história representa um risco à família e à moral religiosa ao caminhar na direção de uma doutrinação ideológica. Também o Estado toma parte neste processo ao abrir mão do pensamento crítico oferecido pelos historiadores em nome da oferta informativa das novas mídias. [34]
Entre os acadêmicos, a crise da história é enunciada em debates sobre a dificuldade de encontrar espaços de diálogo com públicos amplos e a sensação de que existe um deslocamento do conhecimento histórico especializado em relação à sociedade. Este distanciamento pode ser observado através dos diversos casos de negacionismo histórico nas mídias sociais.[35] São exemplos da tensão entre a historiografia e a sociedade capitalista o senso comum de que as ciências humanas e sociais não fariam parte das necessidades mais urgentes para o desenvolvimento de uma sociedade e a revogação da obrigatoriedade do ensino de ciências humanas nas escolas. No Brasil, o Escola Sem Partido é entendido como uma forma de criminalização da liberdade de ensino dos professores de história sob o pretexto de se combater uma suposta doutrinação ideológica por parte dos professores de ciências humanas.[36]
A busca pela quebra com as formas tradicionais da disciplina e do ensino da história também se relaciona com as demandas dos historiadores por trabalho. Argumenta-se que o ensino formal da historiografia acadêmica não teria condições de contemplar o grande número de graduados, mestres e doutores em história, tanto em número de vagas de emprego disponíveis quanto em possibilidades de atuação profissional, que na maioria dos casos estaria limitada às escolas e universidades.[37]
Em comparação com o século XIX, os tempos de crise impuseram mudanças nas relações entre historiadores e Estado. No contexto da formação da historiografia como disciplina, o Estado era o grande interessado em profissionalizar o trabalho com o passado, já que era interesse dos governantes fazer com que as histórias nacionais fossem escritas e narradas nos termos da legitimação do Estado como instituição. Já no século XXI, é possível ver a constante busca de historiadores por posicionarem-se no mercado de trabalho nos termos da prestação de serviços, em um contexto de transformação dos postos de trabalho e diversificação das possibilidades e demandas de consumo do passado nas mídias sociais.[38] Assim, as ocupações dos historiadores também diversificaram-se, abrangendo uma atuação que vai dos arquivos e museus até o trabalho nas redes sociais e a conformação do campo da história digital.[39]