Teoria da descoberta da Austrália pelos portugueses

Embora a maioria dos historiadores sustente que a descoberta europeia da Austrália ocorreu em 1606 com a viagem do navegador neerlandês Willem Janszoon a bordo do Duyfken, foram avançadas numerosas teorias alternativas. A precedência da descoberta foi reclamada pela China, Portugal, França, Espanha e, até, para os Fenícios. Dessas teorias, uma das mais bem suportadas é a teoria da descoberta da Austrália pelos portugueses.

A teoria

Carta do atlas de Nicholas Vallard (1547), um dos Mapas de Dieppe, que alguns investigadores consideram representar a costa nordeste australiana (imagem: Biblioteca Nacional da Austrália)

O primeiro contacto europeu com o continente do Sul teria sido efectuado por navegadores portugueses, embora não haja referências a esta viagem ou viagens nos arquivos históricos de Portugal. A principal evidência para estas visitas não declaradas foi a descoberta de dois canhões portugueses afundados ao largo da baía de Broome na costa noroeste da Austrália. A tipologia dessas peças de artilharia indica serem de fabricação portuguesa, podendo ser datadas entre os anos de 1475 e 1525.

Tem sido também sugerido que duas expedições portuguesas realizadas nos mares da Indonésia no primeiro quartel do século XVI teriam atingido o território australiano: a expedição de Cristóvão de Mendonça a partir de Malaca para o sul em busca das "ilhas de ouro" (1522), mas sobretudo a de Gomes de Sequeira (1525) que supostamente teria atingido a Península de York. Para reforçar esta tese evoca-se o estabelecimento pelos portugueses em 1516 de um entreposto comercial em Timor, que fica a cerca de 500 quilômetros da Austrália.

Segundo o historiador e filólogo Carl von Brandenstein, os portugueses teriam naufragado no noroeste da Austrália Ocidental, perto da ilha de Depuch, entre 1511 e 1520, tendo sido os primeiros europeus a tocar a Austrália, de onde não puderam sair. Estes portugueses acabariam por se integrar com a população local, deixando marcas culturais assimiladas pelos aborígenes. A fundamentação das suas teorias encontra-se na análise das línguas das etnias Ngarluma e Karriera (tribos da Austrália Ocidental), que apresentam particularidades que não se detectam nas outras línguas aborígenes, como o uso da voz passiva. von Brandenstein apresenta também uma lista de palavras destas línguas que alega terem uma origem portuguesa (exemplos: thartaruga de tartaruga, monta/manta de monte, thatta de tecto).

Uma série de mapas conhecidos como Mapas de Dieppe, produzidos por uma escola de cartografia na cidade francesa de mesmo nome entre 1536 e 1566, e que revelam uma influência portuguesa, retratam uma terra chamada Jave La Grande que apresenta uma configuração de costa que lembra a costa ocidental australiana, em alguns casos representando formas vegetais e etnográficas. Alguns académicos rejeitam uma ligação dos mapas com representações da Austrália, argumentando que as formas vegetais e humanas são típicas das ilhas da Indonésia ou que seriam meras representações lendárias.

Pode ainda ser salientado um mapa neerlandês do século XVII que representa uma barreira de coral com o nome de Abreolhos. Esta palavra é uma derivação da expressão de língua portuguesa abre olhos, que era usada com frequência para assinalar zonas de perigo em cartas marítimas lusitanas (expressão ainda hoje utilizada popularmente para designar qualquer acidente doloroso, que serve para ensinar a ter cuidado).

Para os partidários da tese da prioridade portuguesa, os navegadores lusitanos não reclamaram o continente para a coroa de Portugal e mantiveram a descoberta aparentemente em silêncio. Os motivos do secretismo desta eventual iniciativa estariam relacionados com o Tratado de Tordesilhas, que determinava que a zona da Austrália seria, quando descoberta, propriedade da coroa espanhola. Para adensar o mistério, os eventuais registos e notas de bordo destas expedições devem ter desaparecido na destruição do Terramoto de Lisboa de 1755.

Com a morte do Cardeal-Rei D. Henrique em 1580, e com a formação da união pessoal entre as coroas portuguesa e espanhola, Portugal nunca mais retomou as iniciativas de exploração nesta parte do mundo. A falta de documentos escritos sobre estas expedições faz com que a presença portuguesa na costa australiana seja posta em causa por muitos historiadores.

Richard Henry Major defende que os portugueses estiveram na costa australiana também em 1601 através de expedição do navegador Manuel Godinho de Erédia, sob ordens do Vice-Rei da Índia Ayres de Saldanha. Apresenta como prova uma cópia de mapa que o próprio descobriu no Museu Britânico em que aparece a seguinte inscrição: "Nuca Antara foi descoberta no ano de 1601, por Manuel Godinho de Erédia, por mandado do Vice-Rei Ayres de Saldanha". Nuca Antara se refere a uma região da costa da Austrália que supunha-se ter sido descoberta pelos holandeses apenas em 1616.

Os mapas de Dieppe e a teoria do descobrimento português da Austrália

Alguns pesquisadores recorrem aos mapas de Dieppe identificando indícios da exploração portuguesa da costa da Austrália na década de 1520. A maioria dos mapas de Dieppe indica uma massa de terra intitulada "Jave La Grande", entre as atuais Indonésia e Antárctica. Como os portugueses estavam activos no Sudeste da Ásia desde 1511, e em Timor desde 1516, foi sugerido por alguns autores que "Jave La Grande" é o resultado de um erro cometido pelos cartógrafos de Dieppe que estavam a trabalhar sobre mapas portugueses do litoral da Austrália. Embora nenhum dos mapas de Dieppe esteja particularmente preocupado com a representação da Austrália, a discussão australiana contemporânea sobre eles geralmente é limitada a este detalhe de "Jave La Grande”.

Costa leste da Austrália, o lado oculto até à viagem de James Cook, e uma eventual semelhança na continuidade de dois mapas de Dieppe no Atlas Vallard (ambos sob o nome "Terra Java"), que é sugerida pela continuidade dos desenhos inscritos, e alguns pontos de referência comparativos.

O primeiro escritor a referir estes mapas como uma evidência da descoberta portuguesa da Austrália foi Alexander Dalrymple em 1786, em uma nota curta em sua obra "Memoir Concerning the Chagos and Adjacent Islands". Ele estava tão intrigado a esse respeito que fez publicar duzentas cópias do mapa "Delfim".

Desde então diversos outros autores contribuíram para o debate sobre a massa de terra identificada como "Jave La Grande" nos mapas de Dieppe. Entre estes, incluem-se:

Ver também

Referências

  1. Menzies, Gavin (2002). 1421: The year China discovered the world. London: Bantam Press 
  2. com o crédito da descoberta da Austrália para o francês Binot Paulmier de Gonneville (1504) em Brosses, Charles de (1756). Histoire des navigations aux Terres Australe. Paris:  
  3. No início do século XX, Lawrence Hargrave argumentou a partir de achados arqueológicos que a Espanha havia estabelecido uma colónia em Botany Bay no século XVI.
  4. Robinson, Allan (1980). In Australia, treasure is not for the finder. Greenwood: A. Robinson 
  5. Trickett, Peter (21 de Março de 2007). «Mapas 'revelam' que português descobriu Austrália em 1522». BBCBrasil.com. Consultado em 21 de Março de 2007 
  6. BRANDSTEIN, Carl von. Os primeiros europeus a chegarem à costa Ocidental da Austrália. in: Boletim do Museu e Centros de Estudos Marítimos de Macau. Macau, 1990. p. 177-178.
  7. a b Ver também The Discovery of Australia by the Portuguese in 1601. Londres, 1861. O texto encontra-se publicado na íntegra em: AREZ ROMÃO, José António de. O Descobrimento da Austrália pelos Portugueses. Lisboa, 2001. p. XII a XXXVIII.
  8. McIntyre, K. (1977) p. 52+.
  9. Citado em McIntyre, K. (1977) p. 327+.
  10. Richardson, W. A. R. (2006) p. 33.
  11. A obra de Major encontra-se disponível em http://gutenberg.net.au/ebooks06/0600361h.html.
  12. Collingridge, G. (1895). The Discovery of Australia Reprinted fascimile edition (1983) Golden Press, NSW ISBN 0 85558956 6
  13. Portugal nos Mares: Ensaios de Critica, Historia e Geographia, Lisboa, Bertrand, 1889 (repr. Parceria Antonio Maria Pereira, 1924), Vol.I, pp.182-242.
  14. Sullivan, J. "New clues put old discovery theory on the Map" The Age May 12, 1981. Page 3.
  15. Herve, R. (1983) Chance Discoveries of Australia and New Zealand by Portuguese and Spanish Navigators between 1521 and 1528 Dunmore Press, Palmerston North, New Zealand. ISBN 0864690134
  16. Fitzgerald, L (1984). Java La Grande The Publishers, Hobart ISBN 0 94932500 7. Não está claro o porquê ele preferiu a moderna grafia "Java" em vez da original "Jave".
  17. Trickett, P (2007). Beyond Capricorn. How Portuguese adventurers discovered and mapped Australia and New Zealand 250 years before Captain Cook East St. Publications. Adelaide. ISBN 9 78097511459 9
  18. Ver http://news.ninemsn.com.au/article.aspx?id=255927 Arquivado em 5 de junho de 2011, no Wayback Machine. por exemplo.
  19. Susana Almeida Ribeiro, “Os portugueses estiveram na Austrália; os ingleses descobriram-na”, Publico, 8/5/2008. Publico

Ligações externas