Teoria de conjuntos de Zermelo

Em matemática, a Teoria de conjuntos de Zermelo, abreviada Z, é a apresentação axiomática da Teoria de conjuntos publicada pela primeira vez por Ernst Zermelo em 1908 no seu artigo Pesquisas sobre os fundamentos da teoria de conjuntos. I e que formou a base da Teoria de conjuntos de Zermelo-Fraenkel, ZF, a teoria axiomática de conjuntos mais utilizada hoje, que resulta de acrescentar à Teoria de Zermelo os axiomas de substituição e fundação.

Axiomas da teoria de Zermelo

Axioma de extensão

Dois conjuntos são iguais (são o mesmo conjunto) se eles têm os mesmos elementos. Na linguagem da lógica atual:

∀ x ∀ y . {\displaystyle \forall x\forall y.}

Axioma do conjunto vazio

Existe um conjunto, o conjunto vazio ∅, que não contém nenhum elemento:

∃ x ∀ y ( y ∉ x ) {\displaystyle \exists x\forall y\;(y\not \in x)}

Axioma do conjunto unitário e do par

Para cada conjunto x {\displaystyle x} existe o conjunto unitário { x } {\displaystyle \{x\}} . Para cada conjunto x {\displaystyle x} e para cada conjunto y {\displaystyle y} existe o par (não ordenado) { x , y } {\displaystyle \{x,y\}} .

∀ x ∃ z ( z = { x } ) {\displaystyle \forall x\exists z(z=\{x\})} ∀ x ∀ y ∃ z ( z = { x , y } ) {\displaystyle \forall x\forall y\exists z(z=\{x,y\})}

Na sua publicação de 1908, Zermelo enuncia o Axioma II com o nome "Axioma dos conjuntos elementares". Esse axioma tem três partes, que correspondem ao conjunto vazio, conjunto unitário e conjunto de pares. Se interpretamos "dois objetos" do enunciado original de Zermelo do axioma de pares, como dois objetos diferentes, ficaria:

∀ x ∀ y ( x ≠ y ⇒ ∃ z ( z = { x , y } ) ) {\displaystyle \forall x\forall y\left(x\neq y\Rightarrow \exists z\left(z=\{x,y\}\right)\right)}

Apesar desse último não ser logicamente equivalente (em primeira ordem) à forma usual anterior, os outros axiomas permitem afirmar a existência de { x } {\displaystyle \{x\}} e de { y } {\displaystyle \{y\}} usando { x , y } {\displaystyle \{x,y\}} .

Axioma da separação

Se a propriedade P ( z ) {\displaystyle P(z)} está definida para todos os elementos de um conjunto x {\displaystyle x} , então existe um subconjunto y {\displaystyle y} de x {\displaystyle x} que contém os elementos de x {\displaystyle x} que satisfazem a propriedade P {\displaystyle P} . Em termos atuais, dada uma fórmula ϕ ( s 0 , … , s n , z ) {\displaystyle \phi (s_{0},\dots ,s_{n},z)} de primeira ordem da linguagem de ZF com a variável livre z {\displaystyle z} e os parâmetros s 0 , … , s n {\displaystyle s_{0},\dots ,s_{n}} :

∀ x ∃ y ∀ z ( z ∈ y ⇔ z ∈ x ∧ ϕ ( s 0 , … , s n , z ) ) {\displaystyle \forall x\exists y\forall z\;(z\in y\Leftrightarrow z\in x\wedge \phi (s_{0},\dots ,s_{n},z))}

Axioma do conjunto potência

Para todo conjunto x {\displaystyle x} existe um conjunto y {\displaystyle y} que tem como elementos todos os subconjuntos de x {\displaystyle x} .

∀ x ∃ y ∀ z ( z ⊆ x → z ∈ y ) {\displaystyle \forall x\exists y\forall z(z\subseteq x\rightarrow z\in y)}

Um tal y {\displaystyle y} é denominado "conjunto potência de x {\displaystyle x} " ou "conjunto das partes de x {\displaystyle x} ", usualmente denotado:

y = P ( x ) {\displaystyle y={\mathcal {P}}(x)}

Axioma da união

Para todo conjunto x {\displaystyle x} existe um conjunto y {\displaystyle y} tal que todo elemento z {\displaystyle z} que pertence a um elemento de x {\displaystyle x} é um elemento de y {\displaystyle y} .

∀ x ∃ y ∀ z ∀ h ( h ∈ x ∧ z ∈ h ⇒ z ∈ y ) {\displaystyle \forall x\,\exists y\,\forall z\,\forall h(h\in x\land z\in h\Rightarrow z\in y)}

Esse y {\displaystyle y} cuja existência é afirmada pelo axioma é denominado "união de x {\displaystyle x} ":

y = ⋃ ( x ) {\displaystyle y=\bigcup (x)}

Ou "união dos elementos de x {\displaystyle x} ":

y = ⋃ h ∈ x ( h ) {\displaystyle y=\bigcup _{h\in x}(h)}

Axioma do infinito

Existe um conjunto y {\displaystyle y} que contém o conjunto vazio ∅ {\displaystyle \varnothing } , e para cada x ∈ y {\displaystyle x\in y} , o conjunto { x } {\displaystyle \{x\}} também pertence a y {\displaystyle y} . Note que Zermelo usa { x } {\displaystyle \{x\}} como o sucessor de x {\displaystyle x} na sequência numérica (Zahlenreihe):

0 , { 0 } , { { 0 } } , { { { 0 } } } , … {\displaystyle 0,\{0\},\{\{0\}\},\{\{\{0\}\}\},\dots }

A definição habitual, que provém de von Neumann, estabelece sucessor de maneira diferente como x ∪ { x } {\displaystyle x\cup \{x\}} .

O axioma do infinito tal como ele é enunciado por Zermelo, poderia ser interpretado modernamente como:

∃ y ( ( ∅ ∈ y ) ∧ ∀ x ( x ∈ y ⇒ { x } ∈ y ) ) {\displaystyle \exists y\left((\varnothing \in y)\wedge \forall x(x\in y\Rightarrow \{x\}\in y)\right)}

Axioma da escolha

Se x {\displaystyle x} é um conjunto de conjuntos não vazios e disjuntos dois a dois, então existe um conjunto de escolha e {\displaystyle e} contido na união de x {\displaystyle x} , tal que para cada elemento y {\displaystyle y} de x {\displaystyle x} , e {\displaystyle e} tem um único elemento em comum com y {\displaystyle y} . A ideia intuitiva é que o conjunto e {\displaystyle e} "escolhe" um elemento de cada y {\displaystyle y} em x {\displaystyle x} :

∀ x ( ∀ y 0 , y 1 ∈ x ( y 0 ∩ y 1 = ∅ ) ⇒ ∃ e ∀ y ∈ x ∃ z ( e ∩ y = { z } ) ) {\displaystyle \forall x\left(\forall y_{0},y_{1}\in x(y_{0}\cap y_{1}=\varnothing )\Rightarrow \exists e\forall y\in x\;\exists z\left(e\cap y=\{z\}\right)\right)}

Contribuição de Zermelo

Que as multiplicidades "enumeráveis" são conjuntos acabados, parece-me um enunciado axiomático seguro. Na apresentação de Dedekind de 1888 do Princípio de indução matemática, ele concebe o conjunto dos números naturais como contendo e o sucessor de cada elemento desse conjunto. Entretanto, Dedekind define "infinito" de uma maneira diferente, hoje conhecida como infinito de Dedekind.

Independência e consistência relativa dos axiomas

O Axioma do conjunto vazio pode ser demonstrado a partir dos outros axiomas, basta usar o Axioma de separação com a fórmula z {\displaystyle z} ≠ z {\displaystyle z} que não é satisfeita por nenhum elemento.

Se o Axioma dos pares não pedir explicitamente que a {\displaystyle a} ≠ b {\displaystyle b} para a existência do par { a , b } {\displaystyle \{a,b\}} , então a existência do conjunto unitário segue-se da existência de { a , a } = { a } {\displaystyle \{a,a\}=\{a\}} . A independência do Axioma de pares (se os outros axiomas são consistentes) foi demonstrada por Boffa, resultado interessante, pois esse axioma não é independente em Zermelo-Frankel.

Fraenkel introduziu o método dos modelos de permutação para demonstrar a independência relativa do Axioma da Escolha.

A independência do Axioma de infinito é demonstrada de maneira similar a ZF, V ω {\displaystyle V_{\omega }} é um modelo da teoria de Zermelo sem o Axioma de infinito.

Os axiomas de união e partes são independentes, igual que em ZF. Diferentemente de ZF o axioma da união e consistente relativo aos demais axiomas, se eles foram consistentes. Assim, o axioma da união é uma extensão forte em ZF, mas uma extensão fraca na teoria de Zermelo. O Axioma de pares também é consistente relativo.

Referências

  1. Zermelo 1908
  2. (Axiom der Elementarmengen, Zermelo 2010, p. 192.
  3. Bolzano 1975
  4. Dedekind 1932, p. 345
  5. a b Ver o comentário de Felgner em Zermelo 2010, p. 176.
  6. Ver o comentário de Felgner em Zermelo 2010, pp. 179−181.
  7. Ver van Heijenoort 1967, p. 285.
  8. "Daß die 'abzählbaren' Vielheiten fertige Mengen sind, scheint mir ein axiomatisch sicherer Satz zu sein.", Zermelo 2010, p. 175. Felgner considera esse enunciado um axioma de infinito (Ibid.).
  9. Dedekind 1932, p. 361
  10. Dedekind 1932, p. 356
  11. Zermelo 1904
  12. Boffa 1872
  13. Ver van Heijenoort 1967, pp. 284−289.
  14. Ver González 1991 para esses resultados.

Bibliografia